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Coordenadores da turma

Coordenadores da turma
Magno Cezar Líder e Adriana vice

sábado, 2 de abril de 2011

Prof. Geraldo - Literatura Inglesa: A chegada dos Normandos e Chaucer

Faculdade Anhanguera
Literatura Inglesa
Prof. Geraldo Damiani




RESUMO
“A chegada dos normandos”

 Introdução

A literatura inglesa sofreu influencias de vários povos por causa das invasões que eram frequentes no mundo antigo. Dentre outras a Batalha de Hastings em 14 de outubro de 1066, entre o exército normando, comandado por William, Duque da Normandia, e o exército anglo-saxão sob o comando de King Harold, foi um evento histórico de maior importancia na história da Inglaterra. Desencadeou uma mudança radical na política e alterou os rumos da língua inglesa, marcando o início de uma nova era literária na região.
Os Normandos motivados pela cultura romana falavam um latim conhecido como francês normando.
Então, como realmente era o estilo de vida dos normandos? O estilo normando de vida parecia-se com o do sul — voltado para o Mediterrâneo, para o sol, para o vinho e para o riso —, enquanto o estilo anglo-saxão de vida parecia voltado para os mares cinzentos do norte — austero, pesado, melancólico, sem humor.

O Livro do Juízo Final

-        Ficou conhecido assim por ser um inventário de Guilherme, o Conquistador,
Vindo a ser mais tarde, a primeira peça da escrita normanda na Inglaterra.
-        Este catálogo resultou na origem do “feudo”, onde o rei era o ápice e a e o restante da sociedade colocada abaixo de­le.
-        O  feudalismo, como ficou conhecido esse sistema, era a responsabilidade agindo em duas direções — para cima e para baixo. Os barões eram responsáveis diante do rei, mas o rei tinha suas responsabilidades para com eles, e continuava assim até a base da pirâmide.

A literatura do inglês arcaico

-        Com a chegada dos normandos, a cultura anglo-saxão foi reduzida a uma posição de inferioridade fazendo-os perder até sua língua.
-        A literatura do inglês arcaico morre (embora, nos monastérios, a Crônica anglo-saxão ainda se preserve, e as pessoas do povo ainda conservem a memória dos velhos poemas).
-        Seus temas, tal como os da literatura do inglês arcaico, eram em geral temas guerreiros, como na grande Canção de Rolando.
-        Para os anglo-saxões, o francês devia parecer uma língua feminina, mais suave e alegre do que a sua língua masculina.
-        Os normandos na Inglaterra criaram uma literatura que não era nem uma coisa nem outra — nem uma autêntica literatura inglesa nem uma autêntica literatura francesa.
-        O  latim mais do que o francês normando ou o inglês arcaico — passou a ser usado como uma espécie de compromisso.
-        Nos séculos XII e XIII, encontramos canções e histórias em latim que revelam a metamorfose da mitologia da Inglaterra.

Mitologia

-        Por mitologia entendemos um corpo de crenças — não necessariamente baseadas em acontecimentos reais ou personagens históricos reais — que toca a imaginação de uma raça ou de uma época, inspira sua literatura e, às vezes, seu comportamento e dá uma espécie de encanto romântico que empresta colorido à monotonia da vida cotidiana.
-        Uma religião não fornece figuras míticas enquanto ainda está viva; na medida em que acreditamos na religião, seus grandes nomes são divinos — como Cristo ou Krishna - ou ligados a divindade, como Maomé.
-        Quando uma religião morre, quando não se acredita mais nela, então suas figuras podem se tornar parte de uma mitologia.
-        Exemplos de figuras heroicas: Brutus (o neto lendário de Enéias), que foi apresentado na História dos reis da Bretanha (escrita por volta de 1140), Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda,  Robin Hood e sua   milícia que não aceitaram o domínio normando.

A evolução da língua inglesa

-        A chegada do francês normando à Inglaterra também abriu a porta para o empréstimo de palavras latinas (o latim sendo a língua matriz do francês), de modo que o que é, de fato, bom inglês pode soar estranho e até mesmo absurdo ao ouvido inglês.
-        A segunda frase é quase o puro inglês arcaico; a primeira é uma mistura de francês e latim.
-        O interesse normando na língua dos conquistados começou por volta de 1204, quando a Normandia foi derrotada e a ligação dos normandos com o continente foi cortada.

  1. O Inglês médio — Escritos religiosos

Exemplos de textos religiosos:

-        Ormulum, uma tradução de alguns evangelhos lidos na missa, feita pelo monge Orm por volta de 1200;
-        Ancrene Riwle — conselhos dados por um padre a três senhoras religiosas que vivem não em um convento, mas em uma pequena casa perto de uma igreja;
-        O Exame do pecado - histórias em versos sobre os vários caminhos do pecado;
-        O ferrão da consciência - provavelmente escrito por Richard Rolle por volta de 1340, que versa sobre as dores no inferno.


  1. O Inglês médio — Escritos não religiosos

Exemplos de textos não religiosos:

-        As canções, escritas com grande delicadeza e habilidade, mas que não foram assinadas: Sumer is icumen in, Lhude sing cuccu! Groweth sed and bloweth med, And springth the wude nu —Sing cuccu! (O verão está chegando,/Canta alto cuco!/A semente cresce e sopra a recompensa/E agora o bosque floresce Canta cuco!).
-        A canção Alison (um nome comum para moças na Idade Média), que tem o refrão: An hendy hap ichabbe y-bent, Ichot from hevene it h me sent, From alie wymmen my love is lent An t lyht on Alisoun. (Por sorte eu consegui — sei que me foi enviado pelo céu. De todas as outras mulheres eu resguardei meu amor: mas ele se acendeu com Alison).
-        A coruja e o rouxinol — a história de uma disputa entre os dois pássaros para ver quem cantava melhor;
-        Pérola — um longo lamento em uma linguagem muito ornamental sobre a morte de uma criança e a visão do céu para onde ela foi.
-        Sir Gawayn e o Cavaleiro Verde - essa história deriva dos mitos da Távola Redonda e fala do cavaleiro Gawain e de seu curioso encontro com o Cavaleiro Verde do título. Foi escrito em uma linguagem que mostra pouca influência normanda mas que, no entanto, é notável pela leveza do toque, um certo humor e um grande poder de descrição.
-        Pedro, o lavrador, William Langland (1332-1400), A visão de Pedro, o lavrador ataca os abusos da Igreja cristã na Inglaterra, mas conclama também as pessoas comuns — os leigos — para abandonar seu interesse pelas coisas deste mundo e seguir a única coisa que valia a pena — "a verdade sagrada".
-        Pilgrim's progress, O progresso do peregrino, de John Bunyan, encontramos figuras com nomes como Cobiça, Glutoneria, Teologia, e, também como nessa outra obra, trata-se da história de uma peregrinação — a travessia do difícil caminho para a salvação.


RESUMO
“Chaucer e depois”

Introdução

           
            Geoffrey Chaucer nasceu em 1340, na época da Guerra dos Cem Anos com a França. Era filho de pais ricos que lhe proporcionaram condições que  o despertou para fazer humor, música além do dom para contar histórias. Três vezes durante sua vida, a praga conhecida como a Peste Negra ("Black Death") dizimou o país.
Quando estava na casa dos vinte, a língua inglesa se estabelecera, pela primeira vez, como a língua dos tribunais de justiça.
Quando já no fim da casa dos trinta, o jovem e infeliz Ricardo II subiu ao trono, para ser deposto e assassinado por Bolingbroke, o rebelde que se tornou Henrique IV, um ano antes da morte de Chaucer.
Em 1831, irrompeu a Revolta dos Camponeses, e, com ela, o reconhecimento de que os trabalhadores e os lavradores tinham direitos humanos tal como a classe média e a nobreza.
Chaucer morreu em 1400, cerca de quarenta anos antes de um acontecimento realmente importante em nossa história literária — a invenção da imprensa.
Chaucer pertencia àquela classe em ascensão da qual, nos séculos seguintes, tantos grandes escritores derivavam. Ele não era camponês, nem sacerdote, nem um aristocrata, mas filho de um homem ligado ao comércio: seu pai era um negociante de vinhos. Mas o jovem Geoffrey iria aprender bastante sobre a aristocracia ao se tornar um pajem da condessa de Ulster.
Recebeu promoção e foi servir no estrangeiro como um jovem soldado (foi feito prisioneiro na França mas foi libertado pelo próprio rei da Inglaterra); ao se casar entrou para a família de John de Gaunt e teve a oportunidade as maneiras polidas, estudar  ciências e artes, as   literaturas da  França e da Itália — todas essas coisas desempenharam seu papel para fazer de Chaucer um dos mais equipados poetas ingleses.

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A chegada dos normandos

Normando" ("Norman") significa "homem do norte" ("North-man"). Os normandos eram, de fato, do mesmo sangue dos dinamarqueses, mas haviam absorvido completamente a cultura do último im­pério romano, tinham se convertido ao cristianismo há muito tempo e falavam aquele ramo do latim a que chamamos o francês normando. Desse modo, seu reino na França tinha um conjunto de tradições muito diferente daquele do país que conquistaram. Podemos resumi-lo dizendo que o estilo normando de vida parecia-se com o do sul — voltado para o Mediterrâneo, para o sol, para o vinho e para o riso —, enquanto o estilo anglo-saxão de vida parecia voltado para os mares cinzentos do norte — austero, pesado, melancólico, sem humor.

O Livro do Juízo Final

Não que os conquistadores normandos fossem irresponsáveis ou ineficien­tes (qualidades que, erroneamente, as pessoas associam em geral às raças do sul). Guilherme, o Conquistador, empreendeu um trabalho completo de con­quista e mandou inventariar quase tudo — até mesmo o número de veados nas florestas, como se dizia — e esse inventário recebeu o nome assustador de Livro do Juízo Final. Assim, a primeira peça da escrita normanda na Inglaterra é um catálogo das propriedades do rei, pois Guilherme se considerava o dono do país. Ele era dono da terra e de tudo nela, mas doava a terra aos nobres que o ajudavam a completar sua conquista, e assim instituiu aquele sistema feudal que iria transformar a vida inglesa. O Feudalismo pode ser considerado como uma espécie de pirâmide: com o rei no ápice e a sociedade colocada abaixo de­le, em níveis cada vez mais inferiores, até que na base tínhamos a classe mais humilde de homens, obrigados a trabalhar na terra, homens com poucos direitos. Poucos direitos, mas ainda assim direitos, pois uma das características do Feudalismo era a responsabilidade agindo em duas direções — para cima e para baixo. Os barões eram responsáveis diante do rei, mas o rei tinha suas responsabilidades para com eles, e continuava assim até a base da pirâmide.

A literatura do inglês arcaico

Com a chegada dos normandos, suas leis, seus castelos, seu conhecimento da arte da guerra, os anglo-saxões foram reduzidos a uma posição de servidão que matou sua cultura e condenou sua língua ao desprezo. A literatura do inglês arcaico morre (embora, nos monastérios, a Crônica anglo-saxã ainda se preserve, e as pessoas do povo ainda conservem a memória dos velhos poemas), mas, para ocupar o lugar da literatura do inglês arcaico, os normandos produziram coisas de pouco valor. No entanto, os normandos recordavam-se, é claro, da literatura que compartilhavam com a maior parte da França, e são exatamente as qualidades da antiga literatura francesa que irão aparecer mais tarde, quando, de fato, o país se recuperou do choque da mudança e a cultura do norte começou a se misturar com a cultura do sul. Aqui só podemos dar uma impressão muito geral da antiga literatura francesa. Seus temas, tal como os da literatura do inglês arcaico, eram em geral temas guerreiros, como na grande Canção de Rolando; porém, se tomarmos uma metáfora do cinema, o verso do inglês arcaico é em preto-e-branco, o da literatura francesa é em cores. O verso do inglês arcaico está mergulhado em névoa, cinza e severa, enquanto a literatura francesa está mergulhada na luz do sol. Na Canção de Rolando, vemos a prata da armadura, o vermelho brilhante do sangue derramado, o azul do céu. Uma palavra característica da poesia da França é, como Legouis assinala, claire — clara —, como se o autor estivesse sempre consciente da luz brilhando nas coisas e através delas. Junto com essa cor e com a clareza, está a melodia mais leve de rimas em sentido estrito. O francês, além disso, é uma língua de acentos leves, sem as pancadas pesadas do inglês arcaico e até mesmo do inglês moderno. Para os anglo-saxões, o francês devia parecer uma língua feminina, mais suave e alegre do que a sua língua masculina. Mas da mistura do feminino com o masculino deveria surgir algo como uma língua ideal, uma língua que se "completasse" através do casamento. Os normandos na Inglaterra criaram uma literatura que não era nem uma coisa nem outra — nem uma autêntica literatura inglesa nem uma autêntica literatura francesa. Vivendo na Inglaterra, eles estavam afastados da cultura francesa, e o tipo de francês que usavam tinha perdido sua pureza, sua flexibilidade — algo que sempre acontece com uma língua quando ela é exportada para um país estrangeiro e não tem a oportunidade de se renovar através de contatos freqüentes com a mãe-pátria. Os anglo-saxões que tentaram usar alíngua do conquistador não foram muito hábeis. E, desse modo, o latim__mais do que o francês normando ou o inglês arcaico — passou a ser usado como uma espécie de compromisso. Nos séculos XII e XIII, encontramos canções e histórias em latim, sendo que algumas destas últimas lançam uma certa luz sobre a metamorfose da mitologia da Inglaterra.

Mitologia

Por mitologia entendemos um corpo de crenças — não necessariamente baseadas em acontecimentos reais ou personagens históricos reais — que toca a imaginação de uma raça ou de uma época, inspira sua literatura e, às vezes, seu comportamento e dá uma espécie de encanto romântico que empresta colorido à monotonia da vida cotidiana. Em nossa época, encontramos muitos de nossos mitos em estrelas do cinema ou cantores populares ou até mesmo em personagens de histórias em quadrinhos. Esses mitos são maiores que a vida, estão a meio caminho entre os deuses e os homens, são, no antigo sentido grego da palavra, heróicos. Uma religião não fornece figuras míticas enquanto ainda está viva; na medida em que acreditamos na religião, seus grandes nomes são divinos — como Cristo ou Krishna — ou ligados a divindade, como Maomé. Mas quando uma religião morre, quando não se acredita mais nela, então suas figuras podem se tornar parte de uma mitologia. Desse modo, os antigos deuses gregos ainda pertencem à mitologia européia e, do mesmo modo, os antigos guerreiros gregos que receberam grande parte de sua força e habilidade dos deuses — Agamenon, Ulisses, Enéias e assim por diante.

O rei Artur

Essas figuras heróicas começaram a aparecer nos textos latinos da Inglaterra depois da Conquista Normanda, e assim ocorreu com Brutus (o neto lendário de Enéias), que foi apresentado na História dos reis da Bretanha (escrita por volta de 1140), de Geoffrey de Monmouth como o pai da raça britânica. (Essa obra foi traduzida para o francês por Wace, e sua tradução foi vertida — por volta de 1200 — para o inglês por Layamon. A obra de Layamon é em verso e é chamada, segundo o fundador mítico dos britânicos, simplesmente de Bruto.) Mas — e isto é interessante — um herói bem maior do que qualquer um outro da Grécia ou de Roma emerge na figura do rei Artur. Isso é interessante e curioso porque Artur pertence à mitologia de uma raça — os galeses ou autênticos bretões — que os anglo-saxões expulsaram da Inglaterra e que os normandos, invadindo suas fronteiras, esmagaram com mão de ferro. Por que esse interesse renovado no fantasmagórico rei bretão e seus cavaleiros da Távola Redonda? Bem, o próprio Geoffrey de Monmouth fora educado em Gales e vivera perto do mito; mas até mesmo os escritores normandos parecem fascinados por ele. É possível que os anglo-saxões — uma raça derrotada — tenham se aproximado da raça que eles mesmos tinham derrotado e tenham ajudado a difundir o mito arturiano por toda a Inglaterra. É provável que os normandos, através de suas invasões a Gales, tenham se interessado pelos galeses e por sua cultura. Seja como for, o mito do rei Artur continua tão poderoso como o foi no passado — podemos ver isso não só nos filmes como nos livros infantis, como também no curioso rumor que circulou na Inglaterra em 1940: que Artur voltara para expulsar o esperado invasor, que ele jamais morrera. Também um outro mito poderoso — mas não tão poderoso — iria surgir entre os ingleses — o de Robin Hood e seus seguidores, os fora-da-lei que não aceitaram o domínio normando e que viveram, livres como as folhas verdes, na floresta.
O tempo passa. Os normandos aprenderam a língua dos ingleses, e alguns ingleses aprenderam a língua dos normandos. Mas o inglês, não o francês normando, iria prevalecer. Vemos então desenvolver-se lentamente um tipo de inglês que se enriquece com os empréstimos tomados ao francês normando; vemos as palavras engatinhando nos livros, em geral introduzidas ao lado de sua tradução em inglês arcaico: "Despair, that is to say, wanhope" ("Desespero, isto é, wanhope"). Mas, às vezes, até mesmo hoje, a mistura não parece completa. (Palavras como "walk" — passeio — parecem mais naturais para os ingleses do que palavras como "promenade".) A chegada do francês normando à Inglaterra também abriu a porta para o empréstimo de palavras latinas (o latim sendo a língua matriz do francês), de modo que o que é, de fato, bom inglês pode soar estranho e até mesmo absurdo ao ouvido inglês. Dr. Johnson, no século XVIII, comentou uma certa peça, dizendo: "Tem vitalidade insuficiente para se pre-"servar da putrefação" ("It hás insufficient vitality to preserve it from putrefac-tion"). Ele poderia ter dito, e de fato já o dissera antes: "Não tem suficiente es-pirituosidade para se manter doce" ("It hás not wit enough to keep it sweet"). A segunda frase é quase puro inglês arcaico; a primeira é uma mistura de francês e latim. A data que devemos lembrar como assinalando o começo do interesse normando na língua dos conquistados é 1204, quando a Normandia foi derrotada e a ligação dos normandos com o continente foi cortada.
Há muito o que dizer sobre a literatura escrita no inglês médio — a língua da transição — mas, como não estamos hoje em dia interessados em ler qualquer coisa escrita, digamos, entre 1200 e 1340 (o ano do nascimento de Chaucer), eu irei formular sumariamente o que é preciso saber sobre os escritores que abrem caminho para o primeiro grande poeta inglês.

Inglês médio — Escritos religiosos

Há um grande número de textos religiosos — obras como o Ormulum, uma tradução de alguns evangelhos lidos na missa, feita pelo monge Orm por volta de 1200. Há o Ancrene Riwle — conselhos dados por um padre a três senhoras religiosas que vivem não em um convento, mas em uma pequena casa perto de uma igreja. Este último chega a ser encantador, e parece que, nessa época na literatura da Inglaterra, há uma consciência da mulher enquanto mulher — uma criatura que deve ser tratada cortês e delicadamente, com uma linguagem gentil. Há uma ligação aqui com a devoção à Virgem Maria, Mãe de Cristo, um culto que os normandos trouxeram, praticado por eles em orações e homenagens mesmo quando era proibido por Roma. A cavalaria, que exigia uma dedicação à mulher quase chegando à adoração, é um outro mito da antiga Europa, liquidado finalmente por Cervantes em sua sátira Dom Quixote, escrita na época de Shakespeare. Há um livro curioso escrito por volta de 1300 — uma tradução do francês falado na Inglaterra —, de Robert Mannyng, chamado Exame do pecado, histórias em versos sobre os vários caminhos do pecado — satírico, divertido, assim como edificante. Há O ferrão da consciência, provavelmente escrito por Richard Rolle por volta de 1340, que versa sobre as dores no inferno com detalhes pavorosos — as almas danadas, torturadas pela sede, ao descobrir que o fogo não irá saciá-las, chupam as cabeças de cobras venenosas. Os demônios gritam, batem com martelos em chamas, enquanto suas vítimas derramam lágrimas de fogo, nauseadas por uma imundície indizível e por cheiros de um horror indescritível.

Inglês médio — Escritos não-religiosos

Entre os escritos não-religiosos, pode-se assinalar, em primeiro lugar, certas canções, escritas com grande delicadeza e habilidade, mas que não foram assinadas, que ainda hoje têm o poder de nos encantar e que ainda são cantadas. Esta, por exemplo, é conhecida em toda parte, junto com sua música:

Sumer is icumen in,
Lhude sing cuccu!
Groweth sed and bloweth med,
And springth the wude nu —
Sing cuccu!

[O verão está chegando,/Canta alto cuco!/A semente cresce e sopra a recompensa/E agora o bosque floresce —/ Canta cuco!]
Há poesia amorosa, como a bela canção Alison (um nome comum para moças na Idade Média), que tem o refrão:

An hendy hap ichabbe y-bent,
Ichot from hevene it h me sent,
From alie wymmen my love is lent
An t lyht on Alisoun.

Vamos traduzi-la assim:
[Por sorte eu consegui — sei que me foi enviado pelo céu. De todas as outras mulheres eu resguardei meu amor: mas ele se acendeu com Alison.]
Há canções patrióticas, cânticos para o Natal e a Páscoa, até mesmo canções políticas.

Os poemas longos do inglês médio

Os poemas mais longos são A coruja e o rouxinol — a história de uma disputa entre os dois pássaros para ver quem cantava melhor; Pérola — um longo lamento em uma linguagem muito ornamental sobre a morte de uma criança e a visão do céu para onde ela foi. Incluída no mesmo manuscrito de Pérola (e também pertencendo, como ela, a meados do século XIV), há uma obra admirável escrita em dialeto de Lancashire chamada Sir Gawayn e o Cavaleiro Verde. Essa história deriva dos mitos da Távola Redonda e fala do cavaleiro Gawain e de seu curioso encontro com o Cavaleiro Verde do título, um gigante que, depois de ter sua cabeça cortada por Gawain, apanha-a tranqüilamente, coloca-a debaixo de seu braço e vai embora. Mas ele jura que passado um ano ele voltaria a combater, na Capela Verde onde Gawain irá encontrá-lo. No caminho, Gawain fica em um castelo e é exposto a várias tentações pela esposa do senhor do castelo. Ele resiste a todas, mas, quando o senhor do castelo revela que ele é o Cavaleiro Verde, Gawain se desfaz do cinto de invulnerabilidade que a dama lhe dera. O próprio Cavaleiro Verde planejara as tentações, e, por causa de sua falha, Sir Gawain recebe um golpe que, no entanto, só o fere de leve, pois seu mérito ao resistir às tentações principais fora suficiente para salvá-lo de receber um golpe fatal. O poema está escrito (de maneira bem adequada) em bead-rhyme (que já foi examinada), em uma linguagem que mostra pouca influência normanda mas que, no entanto, é notável pela leveza do toque, um certo humor e um grande poder de descrição.

Das outras obras do século XIV, só iremos mencionar um livro muito estranho de viagem escrito por um certo "Sir John Mandeville" — cujo nome é provavelmente fictício. O escritor parece ter se enamorado de seu próprio livro, pois aparentemente ele o escreveu primeiro em latim, depois em francês e finalmente em inglês. E um livro interessante sob vários aspectos e parece ter sido popular, pois foi copiado várias vezes (a imprensa não tinha sido ainda inventada), e há no Museu Britânico, atualmente, vinte ou mais cópias manuscritas dele. Mandeville introduz um grande número de palavras francesas em seu inglês — palavras que agora são moeda correote, tais como cause (causa) e quantity (quantidade). Como relato de viagem ao Oriente é uma obra ridícula; há contos fantásticos de canibais e de homens com um só pé — tão grande que serviam para se proteger do sol —, homens com cabeças de cachorro e os monstros mais incríveis. Apesar disso, alimentou a fome de conhecimento de terras estrangeiras, e — nós que vivemos em um mundo onde se conhece qualquer canto — sentimo-nos inclinados a invejar a emoção que os leitores de Mandeville devem ter extraído ao se maravilharem com as regiões estrangeiras que só uns poucos podiam visitar. O inglês é bastante inteligível. Os leitores muçulmanos podem se interessar pela seguinte transliteração do nome do profeta:

Machamete was born in Arabye, that was a pore knave that kept cameles that wenten with marchantes for marcbandise.

{Machamete nasceu na Arábia, era um pobre tipo que guardava os camelos que seguiam com os negociantes de mercadorias.}

Pedro, o lavrador

Por fim, devo mencionar William Langland (1332-1400), o último escritor de algum mérito a usar a técnica da head-rhyme para um poema longo. A visão de Pedro, o lavrador ataca os abusos da Igreja cristã na Inglaterra, mas conclama também as pessoas comuns — os leigos — para abandonar seu interesse pelas coisas deste mundo e seguir a única coisa que valia a pena — "a verdade sagrada". O lavrador que dá seu nome ao poema se põe diante de um "field full of folk" ("campo cheio de gente"), que representa o mundo, e lhes mostra o caminho para a salvação. O poema é alegórico: isto é, como no Pilgrim's progress, O progresso do peregrino, de John Bunyan, encontramos figuras com nomes como Cobiça, Glutoneria, Teologia, e, também como nessa outra obra, trata-se da história de uma peregrinação — a travessia do difícil caminho para a salvação. Pedro, o lavrador, no entanto, desvia-se muitas vezes do caminho, a história se torna sem forma, mas o poder dramático do autor é considerável e seu verso tem Beleza — assim como vigor —, talvez só igualado pelo poeta maior, Geof-rrey Chaucerj que usa uma técnica bastante diferente da de Langland Chaucer esta voltado para o futuro, enquanto Langland, sob vários aspectos, resume o passado. O futuro está nos padrões de rimas regulares, nas formas estróficas írancesas, no conhecimento clássico, na espirituosidade e na cor. O passado com sua head-rhyme, sua falta de forma, sua preocupação com o pecado e com seu amor pelo sermão, possui no entanto um canto de cisne perfeito no poema de Langland. Esta música me persegue quase desde minha infância:

In a somer seson, when soft was the sunne,
I shope me in shroudes, as I a shepherd were,
In habite as an hermite, unholy  of werkes,
Went wide in this worlde, wonders to here.

{No verão, quando o sol era brando,/Eu me vesti em roupa, como se eu fosse pas-tor,/Vestido como um eremita, sem trabalhos religiosos,/Andei por este mundo para ouvir maravilhas.}



Chaucer e depois
Geoffrey Chaucer viveu em uma época rica em acontecimentos. Ele nasceu, como se crê, em 1340 ou por volta disso, quando a Guerra dos Cem Anos com a França já tinha começado. Três vezes durante sua vida, a praga conhecida como a Peste Negra ("Black Death") dizimou o país. Quando estava na casa dos vinte, a língua inglesa se estabelecera, pela primeira vez, como a língua dos tribunais de justiça. Quando já no fim da casa dos trinta, o jovem e infeliz Ricardo II subiu ao trono, para ser deposto e assassinado por Bolingbroke, o rebelde que se tornou Henrique IV, um ano antes da morte de Chaucer. Em 1831, irrompeu a Revolta dos Camponeses, e, com ela, o reconhecimento de que os trabalhadores e os lavradores tinham direitos humanos tal como a classe média e a nobreza. Chaucer morreu em 1400, cerca de quarenta anos antes de um acontecimento realmente importante em nossa história literária — a invenção da imprensa.
Chaucer pertencia àquela classe em ascensão da qual, nos séculos seguintes, tantos grandes escritores derivavam. Ele não era camponês, nem sacerdote, nem um aristocrata, mas filho de um homem ligado ao comércio: seu pai era um negociante de vinhos. Mas o jovem Geoffrey iria aprender bastante sobre a aristocracia ao se tornar um pajem da condessa de Ulster. Recebeu promoção e foi servir no estrangeiro como um jovem soldado (foi feito prisioneiro na França mas foi libertado pelo próprio rei da Inglaterra); ao se casar entrou para a família de John de Gaunt e teve a oportunidade as maneiras polidas, estudar  ciências e artes, as   literaturas da  França e da Itália — todas essas coisas desempenharam seu papel para fazer de Chaucer um dos mais equipados poetas ingleses Conferiram também inteligência, um forte senso de humor, um bom ouvido musical e a capacidade de contar uma história — como poderia o jovem poeta fracassar?
São muitas as realizações de Chaucer. Em primeiro lugar, apesar de seu conhecimento de línguas mais "polidas" do continente, ele se limitou patrioti-camente a usar o dialeto do inglês East Midland que era falado em Londres. O dialeto que ele encontrou não era rico em palavras, e não possuía uma literatura importante da qual ele pudesse aprender algo. Em um certo sentido, ele teve de criar a língua inglesa tal como a conhecemos hoje e estabelecer suas tradições literárias. Para fazê-lo, ele precisou se voltar, principalmente, para a literatura da França e trazer algo de sua elegância para o inglês do East Midland; teve também de esquadrinhar os contos e as histórias da Europa para encontrar seu assunto. Mas, finalmente, em sua obra-prima Os contos de Canterbury, ele encontrou seu próprio território e deu à literatura algo que nunca fora visto antes — a observação da vida como era de fato vivida, imagens de pessoas que eram reais (não meras abstrações livrescas) e uma visão da vida que, com sua tolerância, humor, ceticismo, paixão e amor pela humanidade, só podemos chamar de "moderna". Chaucer é um poeta vivo: fala para nós hoje com uma voz tão clara como a que foi ouvida em sua própria época. É essa qualidade viva que lhe confere grandeza.

A língua de Chaucer

Chaucer é também moderno, pois a língua que usa pode ser, pela primeira vez na história da literatura inglesa, reconhecida como a língua de nossa época. Pelo menos é o que parece; escutá-la ainda é ouvir algo que soa como um idioma estrangeiro. Olhá-la e ouvi-la ao mesmo tempo é talvez o único modo de apreciá-la de fato. Mas certamente o trecho a seguir pode ser chamado de "inglês moderno". Pertence ao "Conto do vendedor de indulgências"; o narrador da história está atacando o pecado da glutoneria:

Adam our fader, and his wy also,
Fro Paradys to labour and to wo
Were driven for that vyce, it is no drede;
For wbyl that Adam fasted, as I rede,
He was in Paradys; and whan that be
Eet of the fruyt defended on the tree,
Anon he was out-cast  to wo and peyne...

{Adão nosso pai, e também sua mulher,/Do paraíso para o trabalho e para a desgraça/Foram expulsos por causa daquele pecado, não é de espantar;/Pois enquanto Adão jejuava, como eu li,/Ele estava no Paraíso; e quando ele/Comeu o fruto proibido daquela árvore,/Então foi condenado à desgraça e à dor...}

A modernidade do inglês de Chaucer é também atestada pelo número de frases de suas obras que se tornaram parte da fala cotidiana: "Murder will out" ("A verdade virá à tona"), "The smiler with the knife beneath his cloak" ("O homem sorridente com a faca sob o manto"), "Gladly would he learn and gladly teach" ("Alegremente aprenderia e alegremente ensinaria") e assim por diante.

Pronúncia de Chaucer

Para a leitura em voz alta de Chaucer, eu recomendaria que se seguissem algumas regras simples de pronúncia. Dê às vogais uma qualidade "continental", isto é, faça-as soar como se pertencessem ao italiano ou ao espanhol ou, então, ao malaio romanizado, ao chinês ou ao urdu. E muito importante pronunciar o "e" no fim de palavras como "shorte" (curto), "erthe" (terra), "throte" (garganta), "bathed" (banhado), "croppes" (colheitas), para não perder o ritmo de Chaucer. Um "e" bem no fim de uma palavra, no entanto, não deve ser pronunciado se for seguido de um "h" ou de outra vogai. As consoantes são pronunciadas quase como no inglês atual, exceto que o "gh" em "cough" (tosse), "laugh" (riso) e "droghte" (carga) tem um som gutural fechado, e "ng" é pronunciado como se fosse soletrado "ngg". Em outras palavras, "singer" (cantor) e "finger" (dedo) rimam. Tente ler alto o trecho a seguir (é a abertura de Os contos de Canterbury)'.

Wban that Aprille with his shoures sote
The droghte of Marche hath perced to the rote,
And bathed every veyne in swich licour
Ofwhich ver t u engendred is the flour;
Whan Zephirus eek with his swete breeth
Inspired hath m every holt and heeth
The tendre croppes, and the yonge sonne
Hath in the Ram his halfe cours y-ronne,
Andsmale fowles maken melodie,
That slepen ai the night with open y e,

(Só priketh hem nature in hir corages):
Than longen folk to goon on pilgrimages.
[Quando o chuvoso abril cortou feliz/A secura de março na raiz,/E banhou cada veia no licor/Que tem o dom de produzir a flor;/Quando Zéfiro com o alento doce/Para as copas e os campos também trouxe/Tenros brotos, e o sol de pouca idade/Do curso em Aries percorreu metade,/E a passarada faz o seu concerto,/E dorme a noite inteira de olho aberto:/(Que a natureza acende o coração  Então se vai em peregrinação1.]

As diferenças entre o inglês de Chaucer e o inglês atual podem ser vistas claramente nesse trecho e irão nos marcar como muito importantes. Por exemplo, os verbos no plural têm uma terminação (-en) que o inglês atual não mais possui. Podemos ver isso em "maken" (fazer), "slepen" (dormir), "longen" (desejar). Em vez de "them" (os, lhes), Chaucer usa "hem", do qual tiramos o "em" em "kick em" (chute-os). "Hath" (tem) e "priketh" (aguilhoar) conhecemos de Shakespeare e da Bíblia. "Y-ronne" com seu prefixo "y" está bem mais perto do alemão da Alta Idade Média ou do holandês do que do inglês atual; o alemão da Alta Idade Média, por exemplo, nos dá gerunnen e gewunmn por "run" (corrido) e "won" (vencido), quando essas palavras são usadas como particípios passados. O "hir" de Chaucer se tornou "their" (seus, deles). Mas, quanto ao resto, sua língua é igual à nossa, e isso nos autoriza a chamá-lo o primeiro poeta a usar o inglês moderno.

O realismo de Chaucer

Em todo caso, quando estamos de fato imersos em um conto de Chaucer, seus brilhantes dons descritivos e seu humor nos envolvem e nos fazem esquecer que estamos lendo um poeta que viveu há seiscentos anos. Vamos examinar, por exemplo, um trecho do "Conto do padre da freira". O galo, Chauntecleer, foi apanhado por uma raposa, e se segue um escarcéu generalizado:

... Out at dores sterten they anoon
And syen thefox toward the grove goon,
And bar upon his bak the cok away; And cryden,
"Out! Harnw! and Weylaway! Ha! Ha! Thefox!"
andafter htm they ran, And eek with staves many another man;
Ran Colle, our dogge, and Talbot, and Gerland,
And Malkin, with a distaf in hir hand;
Ran cow and calf, and eek the very hogges,
So were they fered for berking of the dogges
Andshouting ofthe men andwomen eke,
They ranne só, hem thoughte hir herte breke.
They yelleden as feendes doon in hei lê;
The duckes cryden as men wolde hem quelle;
The geese for fere flowen over the trees;
Out of the hyve carne the swarm of bees;
Só hideous was the noise...

[... Já estavam todos do lado de fora/E viram a raposa ir até o arvoredo/Levando o galo nas suas costas;/E todos gritaram: "Fora! Socorro! Ai de mim!/Ei! Ei! a raposa!" e atrás dela correram,/E muitos homens todos com bastões;/Correu Colle, nosso cão, e Talbot, e Gerland,/E Malkin, com uma roca na mão;/Correu vaca e bezerro, e até mesmo os porcos,/Pois estavam assustados com os latidos dos cães/E com os gritos dos homens e das mulheres,/Correram tanto, que pensavam que seus corações fossem arrebentar/Gritavam como os diabos lá no inferno;/Os patos berravam como se os homens fossem matá-los;/Os gansos com medo voavam em cima das árvores;/Da colméia saiu um enxame de abelhas;/Tão terrível era o barulho...]

Esse vigor e essa agilidade são algo novo na poesia inglesa.
A obra Os contos de Canterbury é longa, mas ainda inacabada quando da morte de Chaucer. Trata-se em parte de uma idéia nova e, em parte, de uma idéia também antiga. Coleções de contos já eram populares há muito tempo no continente (e também no Islã, como As mil e uma noites nos lembram). A obra-prima de Chaucer não passa de uma coleção de histórias, e poucas delas são originais. Essa é uma maneira de ver Os contos de Canterbury. Mas o que nunca fora feito antes era tomar um grupo de seres humanos — de todos os temperamentos e posições sociais — e misturá-los todos, fazê-los contar histórias, e fazer com que essas histórias ilustrassem seu caráter, suas personalidades. A obra de Chaucer brilha com drama e vida: os temperamentos se chocam, cada pessoa tem seu próprio modo de falar e sua própria filosofia, e o resultado não é apenas um quadro da Alta Idade Média — com todo seu colorido e variedade — mas do próprio mundo.
As peregrinações eram parte integrante da vida cristã na época de Chaucer tal como ainda são da vida dos muçulmanos e dos hindus. Quando a primavera chegava, quando a neve, a geada e mais tarde as enchentes desimpediram os caminhos da Inglaterra e os tornavam mais seguros para serem percorridos, então pessoas de todas as classes da sociedade empreendiam suas viagens para os lugares sagrados. Uma dessas cidades sagradas na Inglaterra era Canterbury, onde Thomas à Becket, este "santo mártir abençoado" assassinado durante o reinado de Henrique II, estava sepultado. Para os peregrinos era conveniente andar em companhia, pois era costume encontrarem-se em algum ponto de partida como na Tabard Inn (Estalagem Tabard) em Southwark, Londres. Por ocasião da peregrinação imortal de Os contos de Canterbury, Harry Bailey, o proprietário da Tabard, já que ele próprio participava da peregrinação, ofereceu um jantar para o peregrino que contasse a melhor histótia durante o longo trajeto até Canterbury. Não descobrimos quem ganhou o prêmio do proprietário; só temos certeza de uma coisa — não foi Chaucer. Ele, um peregrino tímido, conta uma história em verso tão terrivelmente monótona que Harry Bailey faz com que ele pare no meio dela. Então Chaucer — o grande poeta — conta uma história em prosa que mal chega a ser menos monótona. (Isso, eu acho, é o primeiro exemplo na literatura do peculiar humor inglês que se deleita de maneira afiada na auto-irrisão. É um tipo de humor cuja melhor expressão se encontra no exército britânico, com sua canção que diz "Não podemos lutar, não podemos atirar" e seu grito "Graças a Deus, temos uma marinha". Os ingleses de fato não se levam muito a sério.) Os outros contos são deliciosos e variados__o rico humor do "Conto do Carpinteiro" e do "Conto do Moleiro", o conto patético da "Abadessa", o conto romântico do "Cavaleiro" e todos os outros. O prólogo aos contos é uma maravilhosa galeria de retratos das pessoas típicas da época — o monge corrupto, a abadessa enjoada, o jovem fidalgo folgazão __, pessoas cujas profissões em sua maioria não mais existem, pois a sociedade que as produziu também não existe mais. Não temos mais meirinhos, nem predicadores, nem vendedores de indulgências hoje, embora tenhamos médicos, párocos e cozinheiros. Mas, além dos costumes e das profissões estranhas, o que encontramos são seres humanos atemporais. Não há fantasmas em Chaucer; sua obra palpita com sangue, é tão quente como a carne com vida.

Troilus e Cresida — Poemas de amor

A segunda grande obra de Chaucer é Troilus e Cresida, uma história de amor recolhida dos anais da Guerra de Tróia, uma guerra que alimentou os escritores europeus com inumeráveis mitos. Shakespeare também narrou o conto amargo desses dois amantes em tempo de guerra. A versão de Chaucer, com sua moral sobre a infidelidade das mulheres, não só é trágica mas também cheia de humor, e sua psicologia é tão impressionantemente moderna que pode ser lida, sob vários aspectos, como um romance moderno. De fato, pode ser chamada dê a primeira peça de grande extensão da ficção inglesa. Sobre as outras obras longas de Chaucer, não direi nada. Em muitas delas, depois de um bom início, ele parece se entediar subitamente e deixá-las inacabadas. Mas não devemos ignorar seus breves poemas de amor, escritos em formas francesas, exaltando a formosura de alguma beldade mítica, impregnados pela convenção do amor cortês que exagerava o culto às mulheres até quase à religião:

Your eyen two wol slee me sodenly,
I may the beauté o f bem not sustene,
Só woundeth bit throughout my herte kene.

[Seus dois olhos irão me matar subitamente,/Eu poderei não suportar a beleza deles,/Pois abriram uma ferida aguda no meu coração.]

Mas, mesmo no mundo sério do amor, o humor de Chaucer transparece:

Sin I  fro love escaped am sofat,
l never think to ben in his prison Iene;
Sin l amfree, l counte him not as bene.




[Desde que escapei do amor fiquei tão gordo,/Não penso mais em ficar na sua cadeia magra;/Desde que estou livre, não o considero mais como um ser.}

Chaucer abriu caminho para uma nova era da literatura, mas levou muito tempo para que um poeta tão grande quanto ele pudesse construir sobre as bases que criara. O ano de 1400 deveria conduzir — somos levados a pensar — a um grande século, mas não foi o que aconteceu. Chaucer parece estar à frente de sua época, jamais sendo apreciado integralmente até mesmo pelos homens que se intitulavam seus discípulos. E, infelizmente para a obra de Chaucer, ocorreram grandes mudanças na pronúncia inglesa, mudanças que muito rapidamente se aproximaram bastante da pronúncia de nossa época.
O "e" final das palavras como "sonne" (sol) e "sote" (doce) não era mais pronunciado. Por conseguinte, as pessoas não conseguiam mais encontrar rimas nos versos cuidadosamente tecidos por Chaucer; passaram então a vê-lo como um poeta bruto — promissor mas primitivo —, e por isso foi classificado ao lado de homens como Gower, Occleve e Lydgate, homens de quem só nos lembramos hoje porque captaram um pouco da grande luz que brilha em seu mestre. Na época de Sha-kespeare, certamente, Chaucer não era muito estimado, e, cem anos após Sha-kespeare, os poeras acharam necessário traduzir Chaucer, polir suas "cruezas" e torná-lo pronto para ser lido em uma época "civilizada".



A literatura escocesa

Apenas na Escócia algo da chama chauceriana ainda ardeu, em poemas como os do rei Jaime I (1394-1437) a quem lemos hoje não porque foi rei da Escócia, mas porque era um autêntico poeta. Aqui está um trecho de uma canção de amor, um alegre voto de boas-vindas à primavera:

Worscbippe y e that loveris bene this May, For ofyour blisse the Kalendis are begonne. And sing with m, Away, Winter, away! Cum, Somer, cum, the Mete sesoun and sonne! Awakefor sckame! that have your hevynnh wonm, And amorously lift up your bedis ali, Thank Lu f e that lis t for y ou to his merci cal l!

[Dão graças a Deus todos vocês que sejam amantes este maio,/Pois por sua alegria as Calendas começaram./E cantem conosco, Fora, inverno, Fora!/Vem, verão, vem, a doce estação e o sol!/Acordem por vergonha! Que o verão venceu sua lerdeza,/E todos levantem suas cabeças,/Agradeçam à Vida que vos ouviu pedir os seus favores!]

E mais tarde veio Robert Henryson (1425-1500) para cantar no dialeto das planícies escocesas, e William Dunbar, (1465-1520) para trazer uma riqueza de textura que é como um retorno à época pré-chauceriana, como em seu poema em louvor à cidade de Londres:

Gemme ofalljoy, jaspre of jocunditie,
Most mygbty carbuncle ofvertue and valour;
Sfrong Troy in vigour and in strenuytie;
Ofroyall tities rose and geraflour;
Empress of townes, exalt in bonour;
In beawtie beryng the crone imperiall;
 Sweet paradys precelling in pleasure;
London, thou art theflour ofdties ali,

[Gema de toda alegria, jaspe de todo jovialidade,/Poderoso rubi de virtude e de valor;/Tróia firme em vigor e energia;/De todas as cidades reais rosa e gi-rassol;/Imperatriz das cidades, de honra elevada;/Da beleza ostentando a coroa imperial;/Doce paraíso excelendo em prazer;/Londres, és a flor de todas as Cidades.]

Gavin Douglas (1475P-1522?) é outro escocês interessante, cuja realização de maior importância foi uma tradução da Eneida de Virgílio em dísticos. Mas Douglas parece ter levado a língua de volta para o passado — temos que lutar com palavras eruditas, obscuras palavras de dialeto, palavras que parecem inventadas pelo próprio Douglas, e sentimos que estamos em um mundo bem distante da clareza de Chaucer. Mas a tradução iria desempenhar um papel importante no desenvolvimento da literatura do inglês moderno, e Douglas — apesar das limitações de sua linguagem — fez um trabalho honesto de pioneiro nesse campo.

John Skelton

O único poeta considerável que a Inglaterra — como oposta à Escócia__parece ter produzido no século XV é John Skelton (1460P-1529) que, após um longo período de esquecimento, voltou a ser reconhecido no século XX. Foi Robert Graves, o poeta moderno, que assinalou suas virtudes e deixou que tais virtudes influenciassem sua própria obra. Um moderno compositor britânico, Ralph Vaughan Williams, musicou sete poemas dele e levou até os amantes da música o humor, opathos e o espírito fantástico desse estranho escritor. "Estranho" porque é difícil de ser classificado; não parece dever nada a Chaucer nem a qualquer outro. Ele aprecia o verso curto, um padrão rítmico fluido, e as palavras mais simples:

Merry Margaret. As midsummer flower,
Gentle as falcon Or hawk oftbe tower:
With solace and gladness,
Much mirth and no madness,
Ali good and no badness;
Só joyously, Só maidenly,
Só womanly Her demeaning
In every thing, Par, far passing
That I can indite, Or suffice to write
O f Merry Margaret, As midsummer flower,
Gentle as falcon Or hawk of the tower.,.

[Feliz Margaret,/Como a flor do meio do verão,/Suave como falcão/Ou gavião da torre:/Com consolo e alegria,/Com jovialidade e sem loucura,/Cheia de bondade e sem maldade;/Tão contente,/Tão virginalmente,/Tão femininamente/É seu comportamento/Em todas as coisas,/Bem de longe ultrapassando/Tudo que eu possa compor,/Ou escrever à altura/Da feliz Margaret./Como flor de verão,/Sua-ve como um falcão/Ou águia da torre...}

Seus temas são amplos; ele nos dá um quadro dos fregueses bêbados de uma taverna de Suffolk; escreve longa e ternamente sobre a morte de um pardal; produz um poderoso monólogo de Cristo na cruz; satiriza o grande cardeal Wolsey em Fala, papagaio. E um dos casos estranhos da literatura inglesa — um excêntrico, mas nada tolo.




Baladas

Devemos mencionar rapidamente, também, um tipo de poesia que parece estar fora da corrente principal da literatura inglesa — a balada. Damos esse nome a um tipo de verso popular que floresceu principalmente na fronteira entre a Inglaterra e a Escócia, foi transmitida oralmente e, portanto — como a poesia do inglês arcaico —, não pode ser atribuída a qualquer autor ou autores específicos. Uma boa parte dessa poesia tem poder e beleza — qualidades que parecem vir da concisão da técnica. Não há nunca uma palavra desperdiçada. Em geral, uma balada conta uma história, às vezes sobre a guerra, às vezes sobre o amor, às vezes sobre o mundo sobrenatural. Não há nunca qualquer falta artística quando conta uma história, e se poderia vantajosamente trocar toda a poesia de Gower e Lydgate por uma única balada como a de Sir Patrick Spens:

The king sits in Dunfermline town
 Drinking the blude-red wine;
'O whare will l get a skeely skipper
To sail this new ship o'mine?
O up and spak and eldern knight,
 Sat at the king's right knee;
"Sir Patrick Spens is the best sailor
That ever sail'd the sea".

[O rei está sentado na cidade de Dufermline/Bebendo vinho cor de sangueYÓ onde eu vou conseguir um capitão hábil?/Para navegar este meu novo navio //Um cavaleiro mais velho falou bem alto/Sentado no joelho direito do rei;/ Sir Patrick Spens é o melhor marinheiro/Que já cruzou os mares".]

Algumas das melhores baladas podem ser lidas no Limo do verso inglês de Ux/ora. A maioria delas parece pertencer a uma época posterior ao século XV mas esse século pode reivindicar a mais bela de todas, A donzela de cor castanha que e um longo diálogo entre um homem e uma mulher, altamente dramático e comovente. O homem declara que matou um inimigo e agora deve fugir para a floresta como um fora-da-lei:

Wherefore adieu, mine own heart true!
None other rede I can:
For I must to the green-wood go,
Alone, a banished man.

{Portanto, adeus, meu verdadeiro amorl/Não tenho nenhum outro caminho-/Pois devo ir para a verde floresta,/Só, um homem banido.]

Sozinho, ele diz. Ela não deve segui-lo, por maior que seja o seu amor. Ele lhe fala dos perigos e das dificuldades da floresta, mas ela não se abala- ela o ama tanto que é capaz de suportar qualquer dificuldade em sua companhia Ele lhe diz que tem um outro amor na floresta, mas nem assim ela desiste de seu objetivo, pois irá  servir alegremente a essa outra mulher só para ficar perto de seu amor. Por fim, o homem revela que ele só estava testando a fidelidade dela ele não e nenhum homem banido, é o senhor de Westmoreland e tem orgulho de chamar uma mulher como ela de sua dama:

I will you take, and lady make,
As shortly as 7 can:
Thus you have won an
Earles son,
And not a banished man.
[Eu irei tomá-la, e torná-la minha dama/O mais rápido que puder:/Pois con-quistaste o filho de um Conde,/E não um homem banido.]

A prosa do século XV

Agora vamos abordar a prosa da época. No século XV, a prosa ainda tinha de provar que era um veículo artístico digno de ser classificado junto ao verso. A prosa de Chaucer não é importante, e Paston letters — que nos dizem tantas coisas interessantes sobre uma típica família de classe média — não pode ser classificada adequadamente como literatura. William Caxton (1421-1491) compreendeu qual era o problema. Quando ele criou a sua própria impressora em 1475, ficou desnorteado ao procurar saber qual era exatamente o tipo de inglês que devia publicar. Graças a Chaucer, o dialeto East Midland de Londres se fixara solidamente como o veículo da poesia, mas nenhum outro grande escritor fornecera um padrão para a prosa. A prosa inglesa era caótica, a língua mudava muito rapidamente, de maneira que, durante o período de vida de um homem, nada parecia fixado, tudo era instável. Caxton, quando escrevia prosa, escrevia como ele próprio falava, freqüentemente criando alternativas para certas palavras que ele julgava não serem entendidas de maneira geral. Caxton era um homem de negócios que procurava ganhar dinheiro com a impressão de livros: sua sobrevivência dependia de produzir livros que fossem inteligíveis para o maior número possível de pessoas. Embora Caxton tenha publicado a poesia de Chaucer e também as obras de Gower e Lydgate, ele estava mais interessado em produzir livros de prosa. De modo que ele próprio tinha de providenciar o máximo de prosa possível, traduzindo os romances franceses, estimulando e satisfazendo o apetite pelas histórias, antecipando, em medida restrita, o gosto de uma época como a nossa, uma época que lê para um milhão de palavras de prosa uma palavra de poesia.

Malory

No entanto, acabou surgindo um importante escritor de prosa. Em 1484, Caxton imprimiu a Morte D'Artbur de Sir Thomas Malory. O relato de Malory é o mais completo que temos da obra dos míticos Cavaleiros da Távola Redonda, seus amores, traições, sua busca do Santo Graal. Malory se tornou a nossa fonte principal para as lendas arturianas, e vale a pena saber que essas histórias foram postas em um estilo de prosa que, embora simples, é nobre e claro2. Mas é curioso que, na medida em que avançamos em direção ao período moderno, com seu novo espírito de investigação, seu sentido de um mundo maior que o da Idade Média, nossa primeira obra importante impressa fosse evocar aquele nebuloso mundo antigo de mito, fosse olhar mais para a pré-história do que para o futuro.

NOTAS

1  Tradução de Paulo Vizioli, em A literatura inglesa medieval (São Paulo, Nova Alexandria, 1992).
2  Um manuscrito do século XV da obra de Malory foi descoberto na biblioteca do Colégio de Winchester, em 1933, e foi publicado pela Editora da Universidade de Oxford. Uma comparação entre o manuscrito e a edição de Caxton mostra quanta liberdade Caxton estava disposto a tomar em relação aos manuscritos de seus